sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Literatura tem sexo?

Muitas são as mudanças e opiniões, contudo as mulheres ganham espaço em um cenário em que o sexo oposto era o maior dominador: a literatura.

Existem vários significados para a mulher, porém o que mais chama a atenção de acordo com o dicionário Michaelis é "feminino do homem". Até poucas décadas atrás, elas não passavam de um adorno para a sociedade: cama, mesa e banho. Tempos se passaram e há quase 50 anos, elas começaram a ter voz ativa na sociedade. E neste percurso libertário, independente dos seus segmentos, a bagagem interior de cada uma delas dá inicio a uma nova linguagem no mercado. Literalmente falando.

A discussão do termo literatura feminina não parte exclusivamente dos homens como muitos pensam, mas das próprias mulheres. "Existe um time de mulheres escritoras que abomina a expressão literatura feminina por associá-la aos clichês de um universo água com açúcar. Eu já superei este trauma e também não acho que mulher deva se prender aos clichês", desabafou a escritora e jornalista Célia Musilli.

Entretanto, a escrita feminina possui suas peculiaridades, desde suas percepções às suas sutilezas. "Olga Savary tem um poema em que diz mais ou menos assim: 'minhas pernas ali, como uma forquilha'. Eu acho a descrição desta posição muito feminina. Ela, como mulher a revela com uma beleza, uma intimidade, um conhecimento muito apropriado à poesia. Mas isto é só um exemplo. E acho difícil um homem dizer isso com a mesma propriedade", comentou Célia Musilli.

Ao partir do pressuposto que a mulher é a parte feminina do homem, eles por sua vez também possuem a sua sensibilidade à flor da pele. Para Célia muitas mulheres fazem literatura confessional, intimista, com sutilezas que parecem traços de um modo peculiar de ler o mundo, um modo feminino. "O que não significa que homens não possam escrever como mulheres. É só observar os 'Eus' femininos incorporados por Chico Buarque de Hollanda em algumas de suas letras", comparou Musilli.

Diferentemente de Célia, a escritora Samantha Abreu dos blogs "Mulheres Sob Descontrole" e "Alta Intimidade" ambos do site de relacionamentos Blogger, discorda do termo literatura feminina. "Eu não gosto muito dessa dissociação literária. Se afirmarmos categoricamente que existe uma literatura exclusivamente feminina estaremos alegando que existem literaturas de todos os tipos: masculina, gay, idosa, etc. Eu, sinceramente, prefiro chamar de literatura feita por mulheres, não só para mulheres", comentou.

A visão sobre o papel da mulher dentro da sociedade machista parte para um novo momento. Elas são muito mais que moda, vida doméstica, culinária. Contudo, não há desvantagens em ser e escrever como mulher sobre qualquer tema. É uma expansão dentro da literatura sem obrigatoriedade de escrever sobre as questões domésticas ou gravidez.

História

Entre as escritoras femininas do século XIX, a brasileira Ercília Nogueira Cobra, que além de escritora foi pensadora, possuía uma mentalidade ímpar para sua geração. Afinal, a sociedade de sua época nos anos 1930 era repressora e extremamente conservadora e a mulher não possuía visibilidade.

Ercília foi corajosa e em seus dois livros defendeu uma nova visão e outra maneira de educar as mulheres para a sua realização sexual e profissional. Pelos nomes de seus livros "Virgindade Inútil - Novela de uma revoltada" e "Virgindade Anti-Higiênica - Preconceitos e convenções hipócritas" pode-se ter uma noção do escândalo provocado, sendo que as obras foram catalogadas como pornográficas.

Ainda em território nacional, a única mulher até então imortalizada foi Raquel de Queiroz. Ela ganhou destaque na literatura feminina nos anos 1930 com o lançamento do seu romance "O Quinze". É um livro com uma narrativa fortemente social, pois causou efeito em todo país. A literatura feminina de sua geração era composta de escritas açucaradas e subjetivas.

Quem possui uma maneira de escrever que foge do óbvio, se comunica de uma maneira misteriosa e se sobressai na segunda leitura é Clarice Lispector. É uma escritora reverenciada até hoje. Em meio a suas obras, muitas merecem destaque. Clarice foge do convencional em seus livros. Muitas vezes ela mesma não sabia porque havia escrito tal caso, algo que a deixava extremamente reflexiva e perplexa diante de tal ocorrência.

A escritora deu uma grande contribuição para a literatura feminina e influenciou uma série de outras escritoras. De tão visceral, Clarice sentia dificuldades em se relacionar com os adultos. Em sua última entrevista dada ao jornalista e apresentador do programa "Panorama" da TV Cultura em 1977 Junio Lerner, ele a questionou se é mais difícil se comunicar com crianças ou adultos.

"Quando eu me comunico com criança, é fácil, porque sou muito maternal." Já em relação aos adultos, ela disse. "Eu to me comunicando com o mais secreto de mim mesma. Aí é difícil né?"

Clarice não era escritora - pelo menos não se considerava. Ela escrevia mediante as suas inspirações. Esta característica é a mesma que rege Samantha Abreu. "Eu escrevo pra salvar a mim mesma, sinceramente, de maneira bem egoísta. Se não escrevesse, seria doente, louca, amarga, ou sei lá mais o quê. Escrevo porque as coisas surgem, as idéias brotam, as fantasias pedem pra irem para o papel. Não tem objetivo nenhum, muito menos social. É assim, acontece, não dá pra segurá-las."